domingo, 26 de junho de 2011

ANTIGAMENTE

ANTIGAMENTE, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia. As pessoas, quando corriam, antigamente, era para tirar o pai da forca e não caíam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para colher maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa. O que não impedia que, nesse entrementes, esse ou aquele embarcasse em canoa furada. Encontravam alguém que lhes passasse a manta e azulava, dando às de vila-diogo. Os mais idosos, depois da janta, faziam o quilo, saindo para tomar fresca; e também tomavam cautela de não apanhar sereno. Os mais jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao cinematógrafo, chupando balas de altéia. Ou sonhavam em andar de aeroplano; os quais, de pouco siso, se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira que dessem com os burros n’água.

HAVIA OS QUE tomaram chá em criança, e, ao visitarem família da maior consideração, sabiam cuspir dentro da escarradeira. Se mandavam seus respeitos a alguém, o portador garantia-lhes: “Farei presente.” Outros, ao cruzarem com um sacerdote, tiravam o chapéu, exclamando: “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo”, ao que o Reverendíssimo correspondia: “Para sempre seja louvado.” E os eruditos, se alguém espirrava
sinal de defluxo eram impelidos a exortar: “Dominus tecum”. Embora sem saber da missa a metade, os presunçosos queriam ensinar padre-nosso ao vigário, e com isso metiam a mão em cumbuca. Era natural que com eles se perdesse a tramontana. A pessoa cheia de melindres ficava sentida com a desfeita que lhe faziam, quando, por exemplo, insinuavam que seu filho era artioso. Verdade seja que às vezes os meninos eram mesmo encapetados; chegavam a pitar escondido, atrás da igreja. As meninas, não: verdadeiros cromos, umas tetéias.

ANTIGAMENTE, certos tipos faziam negócios e ficavam a ver navios; outros eram pegados com a boca na botija, contavam tudo tintim por tintim e iam comer o pão que o diabo amassou, lá onde Judas perdeu as botas. Uns raros amarravam cachorro com lingüiça. E alguns ouviam cantar o galo, mas não sabiam onde. As famílias faziam sortimento na venda, tinham conta no carniceiro e arrematavam qualquer quitanda que passasse à porta, desde que o moleque do tabuleiro, quase sempre um cabrito, não tivesse catinga. Acolhiam com satisfação a visita do cometa, que, andando por ceca e meca, trazia novidades de baixo, ou seja, da Corte do Rio de Janeiro. Ele vinha dar dois dedos de prosa e deixar de presente ao dono da casa um canivete roscofe. As donzelas punham carmim e chegavam à sacada para vê-lo apear do macho faceiro. Infelizmente, alguns eram mais do que velhacos: eram grandessíssimos tratantes.

ACONTECIA o indivíduo apanhar constipação; ficando perrengue, mandava o próprio chamar o doutor e, depois, ir à botica para aviar a receita, de cápsulas ou pílulas fedorentas. Doença nefasta era a phtysica, feia era o gálico. Antigamente, os sobrados tinham assombrações, os meninos lombrigas, asthma os gatos, os homens portavam ceroulas, botinas e capa-de-goma, a casimira tinha de ser superior e mesmo X.P.T.O. London, não havia fotógrafos, mas retratistas, e os cristãos não morriam: descansavam.

MAS TUDO ISSO era antigamente, isto é, outrora.

Carlos Drummond de Andrade

Estamos finalizando o nosso trabalho. Agradecemos aos nossos seguidores e aos visitantes que nos prestigiaram nessa árdua tarefa, apesar de que foi uma experiência diferente e bastante proveitosa. Queremos agradecer em especial a nossa Professora Dra. Aluiza pela orientação, sugestões e incentivos no decorrer do nosso trabalho. 

ABRAÇOS VIRTUAIS A TODOS!


Postado por: LAÍS ALINE, MYRELLA ARAÚJO, NÍCOLLAS ABREU.

3 comentários:

  1. PARABÉNS EQUIPE!VOCÊS NOS PROPORCIONARAM VARIAS REFLEXÕES,MUITO BOM GOSTO E COERENCIA NAS POSTAGENS, ESSA DO DRUMMOND FOI FANTÁSTICA.SUCESSO NA CAMINHADA E SAIBAM SEMPRE HÁ O QUE APRENDER SEJA COM DOUTORES OU COM PESSOAS SIMPLES QUE A VIDA PROPORCIONOU APENAS SABEDORIA DE SOBREVIVER NESSE MUNDO.
    MIRTES SOUSA

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  2. Oi,
    minha gente, eu agora lembrei da minha adolescência com esta postagem de vocês. Li este texto há bastante tempo, mas, ao relê-lo, remoçamos, curiosamente, remoçamos. O texto mostra de forma muito agradável a relação tempo e língua. Nem vou falar muito para não perder o monento.
    abrs,
    Aluiza

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  3. EITA PAU PEREIRA!!!
    PEEDOE MINHA MANEIRA DE FALAR!!
    MAS ESTA POSTAGEM FOI FEDERAL!!!
    BEIJOS
    MARY

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